De volta à estrada

Começou em algum ponto, é claro, e também é claro que eu não sei dizer quando foi. Sei precisar, mais ou menos, sem muita certeza, quando foi que voltou. Escutando um podcast ou participando de uma reunião com velhas e novas amigas, ambos os episódios tratando do mesmo assunto, senti reacender em mim uma chama que em momento algum apagou, mas ficou lá, no escuro, quase-vácuo, tremulando, teimando em seguir acesa. Repeti algumas vezes que tinha esquecido de como era bom, gostoso – usei essa palavra, mesmo – falar de comida. Como isso tinha tanto a ver com o que eu sou. 

É importante dizer que, nesse momento, eu estava preocupada. Tinha um tempo que eu não sabia direito quem ou o que eu era, onde estava, aonde exatamente queria chegar; minha angústia era me perder, e é de conhecimento de alguns que eu tenho certa dificuldade de me localizar quando perco o rumo que estava seguindo. Então, entendi o exato instante em que a faísca disparou e deu ânimo à pequena chama como um sinal. 

E comecei a buscar. Na busca, conheci alguns nomes, comprei dois livros, uma faca, fiz uma massa de pizza e uma polenta com cebola caramelizada, e me deparei com um curso que me fez quase ter certeza de que, agora sim, eu estava novamente na estrada. Logo na primeira aula, eu soube. Anotei coisas desenfreadamente, sem querer perder qualquer informação, e entre todas as anotações que fiz, a lápis, escrevi: às vezes o lugar aonde a gente quer chegar é o lugar de onde a gente nunca devia ter saído

Porque outras vezes eu já tive muita certeza de onde eu queria estar e de que esse lugar era exatamente aqui, neste blog, falando sobre comida. É bom ver as coisas pelo retrovisor porque parece uma distância segura para entender por que não estava funcionando em outros tempos, e tudo o que aprendi da vida e sobre estar pronto ao longo dos últimos quatro ou cinco anos me faz estar mais segura sobre, agora sim, estar pronta. 

Na segunda aula do curso, a Flávia nos encorajou a desenvolver um projeto pessoal. A respeito disso eu já estava pensando desde o fim do primeiro sábado. Com uma insatisfação contínua em relação às novas regras que os textos jornalísticos têm de seguir para serem lidos pelo maior número de pessoas possível, para agradar algoritmos, alcançar as métricas desejadas, decidi que queria escrever como eu gosto de escrever, assim, de um jeito solto, sem me preocupar com headlines, keywords, link building e todos esses anglicismos que, sinceramente, tiram a minha paz de segunda a sexta-feira. 

E no domingo nasceu, dentro de mim, o Orgânico: uma newsletter que vai chegar à caixa de entrada de quem quiser ler uma vez por mês de um jeito tranquilo, exatamente como um envelope contendo uma carta chega à caixa do correio. Minha proposta é justamente essa: um material orgânico sobre o tipo de alimentação em que eu acredito, sem veneno, acessível e saborosa para todos – alimento sem agrotóxico e conteúdo sem algoritmo. Na semana seguinte, enquanto sovava um pão que não ficou como eu gostaria que tivesse ficado, lembrei de anilamesa e decidi retomar as atividades neste espaço. Exatamente do mesmo jeito: sem a preocupação de agradar os códigos e tentar chegar à primeira página do Google; apenas fazer o que, tenho repetido incansavelmente, eu mais gosto de fazer, que é escrever. Escrever sobre comida com calma, me divertindo, percorrendo caminhos que ainda não tive a oportunidade de trilhar no jornalismo, sem prazos, sem pressão. 

E aqui estou. Aqui estamos. Sejamos todos bem-vindos de volta.

Deixe um comentário